Dados da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) revelam que 90% da produção científica do Brasil é realizada no sistema de pós-graduação e isto impacta nas carreiras acadêmicas.
Ou seja, quase toda pesquisa nacional é feita nos programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado nas universidades brasileiras. Na situação atual, a notícia, porém, não é animadora.
Boa parte dessas pesquisas só é possível por causa das bolsas oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
Desde o ano passado, ambos efetuaram cortes bruscos que afetam desde pesquisas culturais até estudos que se propõem a investigar doenças.
Com justificativa de contenção de gastos, as decisões têm sido criticadas por profissionais especializados. Flávia Calé, presidente da ANPG, diz que enxergar a Educação e a Ciência como um gasto e não como investimento é um erro do governo. As áreas mais afetadas são Engenharias, Educação e Medicina.
Coronavírus
Apesar de o início dos cortes antecederem a pandemia atual de COVID-19, causada pelo coronavírus, a situação afeta pesquisas diretamente relacionadas ao combate da doença.
O Programa de Pós-graduação em Microbiologia da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, foi diretamente afetado pela decisão.
Apesar de ter nota 6 na Capes, uma das mais altas, e ser desenvolvido em uma das universidades mais respeitadas do mundo, o programa perdeu 8 bolsas. Lá, ao menos 5 pesquisadores estão trabalhando diretamente na investigação do coronavírus.
Um caso que chamou a atenção da mídia e teve grande repercussão nas redes sociais foi o do biomédico Íkaro Andrade, de 23 anos, aprovado no doutorado em Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB).
Antes de ser aprovado, Andrade já pesquisava o sequenciamento do genoma do coronavírus isolado. Com nota 4 na Capes, o departamento da universidade teve a verba cortada.
Fernando Lucas de Melo, virologista e coordenador do programa da pós, manifestou-se dizendo que “querer que uma pessoa faça doutorado sem bolsa, 40 horas por semana no laboratório, é desconhecer a realidade dos doutorados nas Ciências Biológicas e Médicas”.
Sem a possibilidade de continuar desenvolvendo a pesquisa por causa do corte, Íkaro Andrade teria que voltar para Tocantins, de onde veio, para, então, estudar em Brasília.
Processo Judicial
Pelo alcance dos impactos que os cortes de bolsa produziram, o Ministério Público Federal protocolou uma ação judicial contra a Capes.
Uma das justificativas do processo é que as novas regras de concessão de bolsa ocorreram de forma repentina e brusca. Segundo o MPF, essa decisão viola vários princípios constitucionais.
Entre eles, no processo, são citados a segurança jurídica e a boa-fé da administração pública, bem como a violação de um direito adquirido.
Isso tudo é justificado, também, porque muitos pesquisadores aprovados com boa colocação, o que lhes garantiria a bolsa, já haviam se mudado de seus estados para iniciar uma vida distante de sua cidade natal.
Até então, a Capes não havia se pronunciado sobre o processo diretamente. Contudo, nas redes sociais, Abraham Weintraub, sustenta a narrativa de que não houve cortes.
Regiões Norte e Nordeste
A Capes divulgou uma nova portaria, em 2020, que revoga todas as anteriores, divulgando as novas regras para concessão de bolsas a cursos com nota 3 e 4.
A medida desconsidera, porém, que cursos novos, em geral, têm notas baixas porque ainda não atendem completamente os critérios avaliados. Isso ocorre não por má qualidade da pesquisa, mas, porque ela ainda está em fase de consolidação.
As regiões Norte e Nordeste são as mais prejudicadas.
Isso porque as duas possuem mais novos cursos, implementados em anos anteriores ao do governo atual. Ou seja, áreas geralmente esquecidas que conquistaram algum avanço, após muitos anos, com relação ao acesso ao ensino gratuito, agora, veem parte dessa conquista sendo desestruturada pelo corte de verbas.
Texto: Gear Seo